7.12.09

Sobre aqueles tiros na Praça Roosevelt (para Mário Bortolotto)

A bala tem que ser doce,
o tiro tem que ser de misericórdia,
as explosões têm que ser de amor,
a praça tem que ser do povo.

Assim será, assim será.

Os artistas vão dançar e cantar,

o platéia vai ver e aplaudir,

o dramaturgo vai viver e escrever

e vai transformar tudo em poesia.

Porque é assim que tem quer ser.

14.9.09

Elas

Ela tem um quê,
uma elegância,
uma dança,
um mistério,
uma ginga,
um poema,
um olhar
que é todo seu...

(de Tereza para Ludmila para Cecília)

12.9.09

cotidiano


Um dia
por uma roupa esquisita
um batom diferente
uma calça rosa choque
um casaco de pele fake
camiseta de oncinha
uma saia com bolinhas
pra sair pela janela
e me divertir com a minha vergonha
atravessar a rua sem olhar o sinal
e me salvar.

10.9.09

Não consigo captar todas as mensagens Não consigo ouvir todas as frases Não consigo ler todos os lábios Não consigo falar tudo que eu penso Não consigo chegar na hora marcada Não consigo amar meus inimigos Não consigo pontuar todos os textos Não consigo decorar todas as falas.

1.9.09

tudopassa

quanto tempo falta?
quanto tempo ainda tem?
quantos anos se passaram?
quantos anos tem naquela hora?
quantas noites sem dormir?
quantas horas esperando?
quantos dias sem resposta?
você lembra que horas eram?
quantos anos você tem?
quantos segundos cabem neste quarto?
te encontrei há muito tempo.
te conheço de algum lugar.
quem era mesmo que estava falando?

30.8.09

Preposições

sem compromisso sem som sem sombra, com dúvida.
no Rio em agosto sem ritmo sem parada sem estrada, sonhando.
de noite no escuro sem mistério sem destino sem ermo, dançando.
em silêncio sem ar sem sentido, concentrada
sem certeza, vivendo.
de dia com sono com chuva sem suor sem previsão, vazia.
sem recheio sem fome sem surpresa, caída.
de bobeira numa noite qualquer.

11.8.09

Encenação

Eu queria fazer um espetáculo simples.
Eu queria fazer um espetáculo que falasse diretamente com a platéia.
Eu queria fazer um espetáculo onde ator e personagem se confundissem o tempo todo.
Eu queria fazer um espetáculo que se passasse numa esquina qualquer, uma encruzilhada, um lugar de ninguém.
Eu queria fazer um espetáculo que falasse do passado, fazendo uma ponte com o presente, e falasse do presente, fazendo uma ponte com o futuro.
Eu queria fazer um espetáculo que falasse da desilusão, da solidão, da sensação de estar só, mesmo quando a gente está rodeado de gente.
















Eu queria fazer um espetáculo que eu pudesse ficar no lugar da platéia e a platéia pudesse estar no meu lugar, ao mesmo tempo.
Eu queria fazer um espetáculo que fosse político, poético e existencial.
Eu queria fazer um espetáculo que a platéia saísse do teatro e tivesse vontade de viver.
Eu queria fazer um espetáculo que as pessoas saíssem do teatro e repensassem suas vidas e pudessem mudar tudo em um segundo.
Eu queria fazer um espetáculo para que eu fosse amada, reconhecida, aceita, que eu fosse aplaudida de pé, durante oito minutos.
Eu queria fazer um espetáculo definitivo.
Eu queria fazer um espetáculo contraditório.
Eu queria fazer um espetáculo que a platéia saísse do teatro e não fosse comer pizza.
Eu queria fazer um espetáculo que tivesse uma luz muito forte que quase me cegasse.
Eu queria fazer um espetáculo cheio de erros, todo torto.
Eu queria fazer um espetáculo que fosse ao mesmo tempo apolíneo e dionisíaco.
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse nua, transparente, que a platéia pudesse se ver através de mim, além de mim.
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse invisível.















Eu queria fazer um espetáculo que os meus amigos fossem encontrar comigo depois no camarim e falassem a verdade, mas com muito amor.
Eu queria fazer um espetáculo que levasse a platéia as lágrimas.
Eu queria fazer um espetáculo que tivesse uma mulher caída com sangue escorrendo pela boca e as vísceras aparecendo.
Eu queria fazer um espetáculo que acabasse com todo sentimentalismo.
Eu queria fazer um espetáculo que reconstituísse a camada de ozônio, que despoluisse o Rio Tietê e a Baía de Guanabara.
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse perdida, sem nunca saber como continuar.
Eu queria fazer um espetáculo que não tivesse nem princípio, nem meio, nem fim.
Eu queria fazer um espetáculo que mudasse o curso da história.
Eu queria fazer um espetáculo que eu ficasse muito rica.
Eu queria fazer um espetáculo revolucionário.
Eu queria fazer um espetáculo impossível, que fosse uma ilusão, que não existisse.

















(trecho do espetáculo Desabotoa Minha Gola)

5.8.09


                                  "A verdade é uma terra sem caminhos"
                                                                        (J. Krishnamurti)

16.7.09

Ensaiando

Isso é um diário? Fluxo de pensamento? Imitação de alguma coisa?
Passa-tempo? Vazio existencial?
Qual o sentido que está mais ativo nesse momento:
Seus olhos ou seus ouvidos? Por quê?
Isso é depoimento ou fantasia?
O público consome o que vc faz?
Vc cria uma situação e se coloca dentro dela?
Vc coloca o público dentro dela?
Vc quer falar alguma coisa?
Vc tem opinião sobre isso?
Vc está sozinho?
Como é que se espera?
Como é ficar vazio?
Como não ter medo da loucura e da liberdade?
O que fazer quando "dá branco"?
Como é viver sem nomear?
Como amar o outro? Como amar a si mesmo? Como amar quem não me quer? Como amar o que não se conhece direito? Como amar o que se conhece demais?
Como aprender a morrer sem sofrer?
Qual a coisa mais importante do mundo?
O que te deslumbra?
Qual dos papéis na vida é mais você mesmo?
Como se descreve um ser humano mais completo possível?

14.7.09

Acordei hoje sem ter ido dormir


Estava só. Ouvia o barulho do trânsito, via a luz do sol de inverno, mas não pertencia àquele mundo, estava aqui dentro, sem comunicação.
Achei que já tinha morrido tanto e que - sim - agora estava renascendo pra sempre.
Mas não. Estava era morrendo de novo.
A hora vem várias vezes nos espreitar e nem sempre é assombração.
Encontro não mais com uma senhora, mas com uma mulher nos seus trinta e poucos talvez, naquela fase de exuberância, quando as mulheres decidem que são donas do próprio nariz e do próprio corpo. Sim, ela é uma mulher, sim, ela é do gênero feminino. Uma amiga de infância. E acabo até gostando dela, saímos juntas. Compramos o mesmo batom, paramos num café e falamos sobre os sabores e desabores do amor e da vida. Damos gargalhadas e nos divertimos falando mal do figurino dos outros.
Ela vai envelhecendo junto comigo e é sedutora do mesmo jeito que eu posso ser.
Olha aqui – eu digo - Não é fácil morrer.
Tanto já se disse sobre isso. Tenho que, de novo, abandonar os meus pertences e seguir sem muita coisa: alguns livros, umas músicas, poucas fotos, amores, memórias.
O que fazer agora? Queria ser, mas ainda não me tornei.
Não me lembro o caminho de casa. Não me lembro se tenho uma casa.
Talvez. Talvez, tenha que começar tudo de novo e não sei de onde partir.
Tempos sem tempo.
O tempo vem com o tempo.

10.7.09

O elefante amarelo que gostava de comer lasanha

Pensei muito antes de criar esse blog. Pra que? Pra quem? Vivo me perguntando. 
Sempre fui da turma que acha que o mundo está saturado de informações, que tem gente demais escrevendo e gente de menos lendo.
Ainda não tenho respostas para essas questões, mas já não me preocupo tanto em respondê-las. São as perguntas que me movem e me fazem criar. Vocês encontrarão muitas delas por aqui.

Então, por que não um blog?
Tenho também uma memória de infância que quero resgatar. Meu pai é médico e recebia muitos blocos de anotações com propagandas de remédios e laboratórios. Eu pegava esses bloquinhos e saía fazendo perguntas para pessoas que eu encontrava e as respostas destas perguntas viravam títulos de histórias que eu inventava.
Um animal? elefante
Comida favorita? lasanha
Uma cor? amarelo
O elefante amarelo que gostava de comer lasanha.
Como toda criança, eu era livre, não me preocupava com que os outros iriam achar. E adorava escrever.

9.7.09

RG


Quando me viu a primeira vez, ele achou que eu fosse uma bailarina russa, branca e diáfana, bela e distante. Algumas horas depois, já sentados num boteco, ele me falou que por trás da bailarina russa, eu era mesmo uma Clementina de Jesus. Nunca me senti tão lisonjeada.

Ele vive me dizendo que eu sou engraçada e muito atrapalhada, que eu tenho uma lógica muito peculiar de fazer as coisas. Que eu sou uma espécie de Jaques Tati de saia, que se eu soubesse representar isso que eu sou, eu faria muito sucesso e ficaria muito rica. Ai se eu soubesse.

Ele me disse que nunca sabia se eu falava a verdade ou se mentia, que não confiava em mim, pois eu era uma mulher muito livre. Nunca entendi.

Você é muito charmosa, ele disse. Você tem um humor fino, uma ironia sutil. Mas essa intensidade toda com a vida é insuportável, ninguém aguenta. E foi embora. Faz tempo que não nos falamos.

8.7.09

Da Criação ou Post numero 1


Eu, quando estava grávida, percebi.
Minha barrida já estava grande, uns seis meses, mais ou menos. Percebi.
Eu era A Criação, não havia metáforas.
Eu estava grávida e havia dois corações batendo no meu corpo.
Dessa sensação nunca, nunca esquecerei,
dois corações batendo no meu próprio corpo.
Eu era A Criação, a coisa em si.
Eu, que sempre trabalhei com metáforas,
que enxergava o mundo através de metáforas,
que tentava aprender através das metáforas,
que não via nem sentido se não fossem as metáforas,
eu que sempre amei as metáforas, de repente,
eu não precisava de nenhuma metáfora, eu era.
Eu era a coisa.