15.10.11

Autotraição

O que estou procurando é não me trair. Porque quando me sinto traída por mim mesma, aí sim eu fracasso. É um sentimento inexorável, muitas vezes ambíguo, fica latente no peito, muito difícil de lidar. Mas precisa ser digerido lentamente, dolorosamente, e quando vem enfim o perdão próprio, humildemente visto-me da minha condição humana demasiada humana e sigo - alegre - adiante.

5.10.11

Autoficção

Outro dia li numa reportagem sobre o termo autoficção. Se trata de historias autobiográficas, mas com alguma (ou muita) invenção, onde não se sabe, deliberadamente, o limite entre a confissão e a criação. O depoimento verdadeiro e falso, ao mesmo tempo. Gostei. O que escrevo, ou pretendo escrever, não pode estar separado da minha vida, das minhas experiências. Só posso escrever sobre aquilo que conheço. Será? Escrevo e imediatamente duvido. A escrita também é uma porta para o desconhecido e para a liberdade. Minha vida é pouca e besta, portanto faço das memórias, dos sentimentos, das angustias, algo inventado, um buraco maior do que meu umbigo. Tudo é sempre modificado pelo tempo, pelo momento, pela lente de quem vê, pelo ambiente, pelo calor e pelo frio.  Minto descaramente pela beleza. Invento dores e amores. Imagino um passado e subverto-o. Faço existir um não tempo e um não espaço. E é tudo verdade verdadeira. Esse é meu poder e meu regozijo. Crio minhas histórias e meus personagens assim como imagino minhas entranhas - não posso vê-las, mas sei que estão bem vivas lá dentro. Invento minha própria jornada, subo ladeiras e desço montanhas, fico na beira do abismo, sou heroína e algoz.

6.9.11

Inaugurando o Pijaminha

- Mamãe, o que é inaugurar?
- Inaugurar é quando a gente faz uma coisa pela primeira vez.
- Ah! É um trocinho que faz barulho?

1.9.11

                                                   trabalhando para trabalhar

20.6.11

Vida acordada

Às vezes acho que sou uma mulher à beira da morte, observando a vida em retrospecto. Os fatos da minha vida são, de fato, a minha memória. Como se minha vida acordada fosse apenas as memórias dessa mulher, que sou eu mesma, à beira da morte.

10.6.11

Vida é filme, vida é sonho

- Agora estou me preparando para filmar. Sonhei com você na noite passada. Eu estava confusa, no meio de ruas estreitas e esfumaçadas e você aparecia, tranquilo. Não dizia nada, só observava e sorria. Acordei angustiada, sentindo falta de alguma coisa impalpável. Fazer cinema é mais solitário do que fazer teatro.
- Fazer cinema é isso. Pense que esse impalpável vai ser capturado pela câmera. E que algo palpável ficará para o espectador, fruto desse impalpável.

31.5.11

O vazio de Cuba


Quando viajei pra Cuba, em 2009, a primeira sensação que tive, ao sair nas ruas de Havana, foi de angústia. Algo parecido com um domingo, quando o dia está ensolarado e você acha que tem a obrigação de aproveitá-lo, mas, no fundo, quer se enfiar na cama e não acordar nunca mais. Era um aperto não identificado, um não-sei-o-quê que entristecia.

Continuei andando e, aos poucos, fui me dando conta que, mesmo estando numa cidade grande, não havia trânsito intenso, nem engarrafamento, nem muito barulho - porque simplesmente não existem muitos carros nas ruas (e estradas) de Cuba. O olhar foi se expandindo e percebi que também não havia outdoors e nenhuma propaganda, salvo alguns anúncios estatais – pouco ostensivos. Começei a observar as lojas, as pessoas, e nenhuma marca conhecida, nenhuma logo de perfume, banco, roupa, bolsa, pasta-de-dente ou cerveja. Parecia até chato. Mas não era.

A sensação inicial de sufoco foi dando lugar a uma espécie de clareza mental, estava respirando melhor. Havana - assim como os outros lugares que visitei na Ilha - tinha espaços vazios, silêncios. Tudo tinha um ritmo próprio. Esse vazio - que antes me incomodava e que, precipitadamente, já estava nomeando de tédio - foi dando lugar a uma alegria genuína e leve. Meu olhar, agora, devaneava e começei a enxergar cores, nuances, texturas e formas inteiramente novas. Um conforto, como se estivesse em casa. Aliás, Havana lembra muito Salvador, onde nasci.

Com isso, não digo que a situação lá é boa, porque não é. A falta de liberdade de expressão é ainda pior do que o excesso de informação e de lixo que o capitalismo/liberalismo nos entuba, queiramos ou não.

Essas memórias, no entanto, me fizeram lembrar de uma passagem do livro Animal Tropical, do cubano Pedro Juan Gutiérrez :

“A única coisa que posso fazer sempre, onde for, é construir meu próprio espaço. Não esperar nunca que alguém me dê a liberdade. A liberdade tem de ser construída por nós mesmos. Como? Cada qual tem de descobrir por si só. Minha liberdade eu construo escrevendo, pintando, mantendo a minha visão simples do mundo, espreitando na selva como um animal, impedindo as intromissões na minha vida privada. O essencial para o homem é a liberdade. Interior e exterior. Atrever-se a ser você mesmo em qualquer circunstância ou lugar. A liberdade é como a felicidade: não chega nunca. Nunca se tem completa. É só um caminho. A gente caminha atrás da liberdade e da felicidade. E assim se vive. E só a isso que se pode aspirar. Faz alguns anos, e durante muito tempo, minha vida andou presa a conceitos, a preconceitos, a idéias preconcebidas, a decisões alheias. Aquilo era autoritário e vertical demais pra mim. Não conseguiria amadurecer assim. Vivia numa jaula, como um bebê que protejem e isolam pra que jamais amadureça seus músculos e desenvolva seu cérebro. Tudo desmoronou diante de mim. Dentro de mim. Com muito estrondo. E fiquei a beira do suicídio. Ou da loucura. Tinha de mudar alguma coisa no meu interior. Do contrário podia acabar louco ou cadáver. E eu queria viver. Simplesmente viver. Sem pressões. Talvez algum dia feliz. E reduzir as angústias. Isso é imprescindível: reduzir as angústias. Quem sabe seja só uma questão de ponto de vista. É preciso estar plenamente presente onde a gente se encontra, e não escapar sempre”.

30.5.11

Procurando um contorno

Falei no ensaio:
- Gosto de trabalhar com o impossível.
Um segundo depois:
- Por que eu disse isso? Só posso trabalhar com o que é possível.
E assim vou seguindo, nessa lacuna entre o possível e o impossível.
E é nesse lugar que me encontro agora. Não tem tempo, não tem espaço e não há limite.

29.5.11

A escuta


O que me interessa - ela disse - é me colocar no lugar do outro, o tempo todo.
Ah, mas é difícil - retrucou ele - porque a gente quer existir primeiro, não quer?
Silêncio.
No entanto - ambos escutaram - é impossível existir sem o outro.
E saíram pra jantar.