12.2.19
Para Saja
Eu tinha uns 17 anos e era uma adolescente como tantas outras, confusa, inquieta, que queria mudar o mundo, queria comer o mundo, queria ler todos os livros e saber de todas as coisas. Estava começando a fazer teatro profissionalmente, quando fui chamada para participar de uma peça sobre Hipácia, uma mulher brilhante, filósofa, que foi assassinada na biblioteca de Alexandria. O diretor também era um filósofo e já nos primeiros minutos do nosso primeiro encontro parecia que já o conhecia há milênios. Saja era um homem cultíssimo, doce, brincalhão, com uma visão de mundo ampla e cheia de vigor. Naqueles meses de intensa convivência, ele virou não só meu diretor, mas também professor, amigo, meio pai, meio irmão mais velho. Eu estava descobrindo um mundo que finalmente fazia sentido e Saja elevava a existência a última potência. Ele me desorganizava pra que eu me reorganizasse. Naquela época não sabia que sua influência, suas referências, determinariam os próximos passos da minha vida. Depois de um tempo, saí de Salvador e nunca mais nos encontramos de novo. Hoje soube da sua passagem e estou chorando compulsivamente porque viver é muito difícil. Morrer também. Ainda sou aquela adolescente. Ainda quero mudar o mundo e procuro incessantemente ampliar minha visão da existência e potencializar a vida, como ela merece ser vivida. Porque a vida é rara, porque é uma só, porque não tem ensaio. E sofro, sofremos todos, porque o mundo também pode ficar bem medíocre e eu me nego a essa estreiteza. Obrigada Saja por tudo que aprendi com você, pelo nosso encontro. Que pena que não pude dizer isso tudo olhando nos seus olhos e te dando um abraço. Que honra ter encontrado você, um mestre. Que você encontre a luz mais pura, que é disso que somos feitos, você sabe. Luz. Luz. Luz pra você, Luz pro Boechat, pro Caio, pros meninos do flamengo, do Vidigal, da Rocinha, do Rio de Janeiro, de Brumadinho, Luz para as mentes do nosso país. E vamos combinar de ninguém mais morrer, porque nosso coração já não aguenta mais. Obrigada, meu querido Saja, siga em paz.
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