2.2.15

Mudanças

Você leu, em algum o lugar, aquela frase de Ghandhi e você pensa que quer ser a mudança que você quer ver no mundo. Você reduz drasticamente o seu consumo de carne e só come animais em ocasiões especiais. Você tenta diminuir o lixo que você produz e se frustra o tempo todo porque você consegue muito pouco. Você procura reciclar todo seu lixo. Você conversa com a síndica do seu prédio, você entra no site da Conlurb, você pesquisa em vários sites, você lê sobre o assunto. Você percebe que reciclar seu lixo é bem mais fácil do que você imagina. Você carrega uma sacola dobrável dentro da sua bolsa quando você vai às compras. Você recusa sacos plásticos e embalagens para presentes. Você recusa as segundas vias do cartão e todo o papel que você não ultizará depois. Você usa, na maioria das vezes, fraldas de pano no seu bebê. Você percebe, na prática, que não dá tanto trabalho assim. Você, inclusive, economiza dinheiro usando fraldas de pano no seu bebê. Você não quer mais ter carro, você quer andar a pé, de bicicleta, de transporte público e de taxi. Você não quer mudar para um apartamento maior. Você quer ter cada vez menos coisas, você acha que você já tem demais. Você está enjoada de tantos vestidos, tantos sapatos, tantas bolsas, tantos batons. Você acha que isso deve ser por causa da idade, mas você se dá conta que você já pensava assim aos vinte. Você não quer colocar silicone depois de ter amamentado seus dois filhos. Você se acha gostosa. Você ainda não colocou botox, mesmo já tendo passado dos quarenta. Você pinta seus cabelos brancos com henna. Você ainda não se acha bonita com cabelos brancos. Você detesta ir ao salão de beleza e evita isso a todo custo. Por conta dessas "excentricidades", você ouve sempre os mesmos comentários: Você é "louca", você é "hippie", você é "filósofa", você é "artista". Você não escuta, mas você é chamada de "ecochata". Ou só de chata mesmo. Você deve ser um pouco de tudo isso, você não se importa. Finalmente, você não se sente melhor do que ninguém. Você chora. Você também quer ser amada. Você duvida. Você se irrita com muita frequência. Você perde a paciência, você se arrepende. Você fala demais. Você ainda quer mudar o mundo. Você se acha uma idiota por isso, você sabe que o mundo muda sozinho. Você tem consciência que você é irrelevante para o mundo. Mas você continua tentando. Você gosta de viver.

21.1.15

No set

Fazer um filme é como estar dentro de um outro filme. Tudo parece um sonho. Todas aquelas pessoas ocupadas passando pra lá e pra cá, conversas de pé de ouvido, trilhos, fios. Paredes e portas que dão em lugar nenhum. Um universo inteiro sendo criado e destruído diariamente. Quando estou num set sempre acho que, a qualquer momento, Fellini vai aparecer falando alto, interrompendo a concentração, vai chamar os atores e refazer a cena dez tons acima. Imagino Truffaut sussurrando subitamente no meu ouvido, me lembrando da ilusão de tudo aquilo, me seduzindo e me deixando confusa, porque afinal de contas eu não entendo bem francês. Já vi Bergman algumas vezes levando as mãos à cabeça, como se tudo ali estivesse em desacordo. Desperto desses devaneios rindo de mim mesma e desconfiando ainda mais dessas fronteiras entre ficção e realidade. E mesmo estando ansiosa, nervosa ou simplesmente em pânico com a iminência do "Ação!", me sinto feliz por estar fazendo parte daquele mundo à parte, que muitas vezes é mais intenso que a própria vida.

21.9.14

Teatro templo

O teatro é o meu refúgio, meu templo, sempre foi. É pra lá que eu vou quando preciso pensar, respirar, dançar. Quando preciso diminuir o ritmo artificial da "realidade". Quando preciso parar, contemplar, ter clareza. Ele é exigente e me quer sempre inteira e humilde. Me quer sempre generosa, compassiva, atenta. Ele me exige loucura e graça. Coloca minha vaidade no lugar certo. E eu gosto.

20.9.14

Manual de fazer trança

- Mãe, sabia que eu já sei fazer trança no cabelo?
É só dividir em 3 capítulos e aí vai passando o cabelo, vai passando e passando e passando até formar uma trança.


12.5.13

Enrolando pra dormir aos 5 anos

Vamos dormir filha, já é tarde.
- Não mãe, não é tarde, já é noite.

- Tá filha, então já está na hora de dormir.

- Mãe, o Cristo virou estátua?
- Não Ceci, fizeram uma estátua do Cristo.
- O Cristo existe?

- De certa forma existe filha, existe no coração de algumas pessoas.

- Ele já morreu?
- Já, há muito tempo atrás. Agora, vamos dormir filha.
- E quando a gente morre vira estátua?
- Não filha, é que o Cristo foi um homem muito importante, que ensinou muita coisa legal, por isso é que fizeram uma estátua dele.
- Mãe, vc sabia que quando a gente dorme, os ossos ficam grandes e a gente cresce muito?
- Sabia Ceci, por isso que a gente tem que dormir, já está tarde filha, boa noite.
- Porque que adulto não cresce?
- Porque já cresceu tudo que tinha pra crescer.
- Você não vai mais crescer?
- Não filha. Vamos dormir. Boa noite.
- Mãe, porque existe pessoas baixinhas?
- Porque sim Ceci, existem pessoas baixas, altas, magras, gordas, muitos tipos diferentes.  Eu mesma sou baixinha, filha.
- Não mãe, mas eu falando daquelas mais baixinhas do que você. Bem baixinhas.
- Você falando de anão?
- É. Anão da Branca de Neve?
- É, anão é uma pessoa bem baixinha. Igual aos da Branca de Neve.
- Sabia que eu já vi um anão?
- Ceci, vamos dormir.
- Hoje eu muito faladeira.
- E muito perguntadeira. Agora vamos dormir filha.
- Mendingo existe?
- Existe filha, mendigo é uma pessoa que não tem casa, não tem trabalho, não tem dinheiro, aí tem que morar na rua, é muito triste.
- Mendingo... medigo... Mindingo...midigo...mindigo ... E porque que o mendingo não pega um dinheiro e faz uma casa?
- Porque não é fácil pegar um dinheiro assim...
- Mas ele podia pegar só um pouquinho emprestado.
- Devia ser assim mesmo Ceci, todo mundo devia ter casa. Filha, agora vamos dormir. Boa noite, meu amor.
- Mãe, quando a gente vira estrela tem que ficar assim (mostrando com o corpo) com o braço e a perna assim aberto?
- Tem filha. Vem cá meu amor, vamos dormir agora,vem.
- Mas mãe, a gente vai cansar de ficar assim lá no céu e vai cair!!!
- (Rindo) Mas a gente não vai cansar não filha, quando a gente vira estrelinha, a gente fica leve, muito leve e nunca cansa.
- É verdade?
- ... 
- Sério mãe?
- É filha, a gente fica leve, leve ... e brilha o tempo todo.
- Aaaaaaah... Agora vamos dormir mãe, já é de noite.