29.10.19

Passeio no Largo






















Um largo é uma rua que se alarga e vira praça ou uma praça alargada por onde passa uma rua?
Largo é um andamento musical, uma indicação de um tempo mais lento da música clássica, que deve ser tocada de forma grave.
Não há vento, só ar. Não faz calor nem frio.
Estou sentada num banco verde. Um banco com o encosto quebrado como todos os outros bancos desse Largo. Mais adiante, ali na esquina, há um outro banco, laranja, de uma outra espécie, desses em que guardamos dinheiro. Engraçado pensar em várias espécies de banco e várias espécie de largo. Certamente no banco em que me encontro não há dinheiro, está quebrado. Estou sentada num banco verde, cor de folha, feito de madeira.
Respiro lentamente e concluo de forma grave,que, a essa hora da manhã, o humor fica um pouco sem graça.




















Essa rua é só de ida ou só de volta. Depende que sentido você queira dar.
Para cima: verde, marrom, branco, um pouco de cinza, um pouco de azul. Vejo árvores, palmeiras, nuvens um pouco carregadas, um pouco de céuEnquanto observo, uma mulher passa e me olha, como quem indaga: “o que você está fazendo aí?”
Para a direita: passa Jardim Botânico - Horto, passa Gávea – Puc, passa o Metrô na Superfície
Para a esquerda: aparelhos de uma academia de ginástica ao ar livre. Na contramão: Botafogo.
Para baixo: pedras portuguesas branco-sujo. Resto de flores amarelo-ouro que caíram. Folhas secas, terra com buracos, verdes e marrons.
As cores se repetem.


























O ponto de ônibus à minha frente interrompe meus pensamentos. Não desceu ninguém dessa vez.
Três pessoas esperam, escolheram o mesmo sentido.
Duas mulheres  e um homem.
A primeira mulher sobe no ônibus.
Um homem e uma mulher.
O homem entra em outro ônibus.
Uma mulher sozinha.
Branca, de cabelos cinzas, veste uma blusa preta e branca com uma estampa que imita as palmeiras que estão acima dela, mas ela não nota. Carrega duas bolsas que não parecem cheias, uma no ombro direito, outra no antebraço esquerdo, imagino uma daquelas balanças antigas, com pesos diferentes que não se equivalem. Usa óculos. A flor vermelha de uma das bolsas combina com a calça cor de vinho. O sapato é preto. Ela continua a esperar e parece não ter pressa. Fica quase o tempo todo parada sem se mexer. Até que caminha lentamente um, dois, três, quatro passos, faz sinal, sobe os três degraus do ônibus e some. 
Ponto vazio. Resta só o barulho do motor. 
Atrás de mim uma casa antiga, com uma varanda sem ninguém, recebe os primeiros raios de sol, que timidamente se esboçam por entre as nuvens cinzas dessa manhã sem humor.  



















- O sentido é o mesmo todo dia, pego o mesmo ônibus, sigo numa linha só. Na volta pego dois ônibus, A linha está sempre cheia, quase não dá pra sentar, não dá pra descansar um pouco. Nem um pouco dá pra descansar. Mas o sentido não muda, é o mesmo todo dia.
O sentido é esse de viver, de enfrentar a vida, de fazer comida e comer. O sentido que a gente faz todo dia é o sentido da vida de cada um, não tenho nada com a vida de ninguém. A vida é dura pra uns, pra outros é mais fácil. Acordo e faço meu sentido funcionar.
Sentido é uma palavra que vem de sentir, não é? Ah, eu sou do sentir, mais do que do pensar, eu sinto muito. Sinto todo dia, toda hora, é um sentir que não acaba mais. O sentido também não acaba, porque a gente não para de sentir, só quando morre. Quando a gente morre o sentido acaba, então o sentido é esse, viver, estar vivo é o sentido.