31.5.11

O vazio de Cuba


Quando viajei pra Cuba, em 2009, a primeira sensação que tive, ao sair nas ruas de Havana, foi de angústia. Algo parecido com um domingo, quando o dia está ensolarado e você acha que tem a obrigação de aproveitá-lo, mas, no fundo, quer se enfiar na cama e não acordar nunca mais. Era um aperto não identificado, um não-sei-o-quê que entristecia.

Continuei andando e, aos poucos, fui me dando conta que, mesmo estando numa cidade grande, não havia trânsito intenso, nem engarrafamento, nem muito barulho - porque simplesmente não existem muitos carros nas ruas (e estradas) de Cuba. O olhar foi se expandindo e percebi que também não havia outdoors e nenhuma propaganda, salvo alguns anúncios estatais – pouco ostensivos. Começei a observar as lojas, as pessoas, e nenhuma marca conhecida, nenhuma logo de perfume, banco, roupa, bolsa, pasta-de-dente ou cerveja. Parecia até chato. Mas não era.

A sensação inicial de sufoco foi dando lugar a uma espécie de clareza mental, estava respirando melhor. Havana - assim como os outros lugares que visitei na Ilha - tinha espaços vazios, silêncios. Tudo tinha um ritmo próprio. Esse vazio - que antes me incomodava e que, precipitadamente, já estava nomeando de tédio - foi dando lugar a uma alegria genuína e leve. Meu olhar, agora, devaneava e começei a enxergar cores, nuances, texturas e formas inteiramente novas. Um conforto, como se estivesse em casa. Aliás, Havana lembra muito Salvador, onde nasci.

Com isso, não digo que a situação lá é boa, porque não é. A falta de liberdade de expressão é ainda pior do que o excesso de informação e de lixo que o capitalismo/liberalismo nos entuba, queiramos ou não.

Essas memórias, no entanto, me fizeram lembrar de uma passagem do livro Animal Tropical, do cubano Pedro Juan Gutiérrez :

“A única coisa que posso fazer sempre, onde for, é construir meu próprio espaço. Não esperar nunca que alguém me dê a liberdade. A liberdade tem de ser construída por nós mesmos. Como? Cada qual tem de descobrir por si só. Minha liberdade eu construo escrevendo, pintando, mantendo a minha visão simples do mundo, espreitando na selva como um animal, impedindo as intromissões na minha vida privada. O essencial para o homem é a liberdade. Interior e exterior. Atrever-se a ser você mesmo em qualquer circunstância ou lugar. A liberdade é como a felicidade: não chega nunca. Nunca se tem completa. É só um caminho. A gente caminha atrás da liberdade e da felicidade. E assim se vive. E só a isso que se pode aspirar. Faz alguns anos, e durante muito tempo, minha vida andou presa a conceitos, a preconceitos, a idéias preconcebidas, a decisões alheias. Aquilo era autoritário e vertical demais pra mim. Não conseguiria amadurecer assim. Vivia numa jaula, como um bebê que protejem e isolam pra que jamais amadureça seus músculos e desenvolva seu cérebro. Tudo desmoronou diante de mim. Dentro de mim. Com muito estrondo. E fiquei a beira do suicídio. Ou da loucura. Tinha de mudar alguma coisa no meu interior. Do contrário podia acabar louco ou cadáver. E eu queria viver. Simplesmente viver. Sem pressões. Talvez algum dia feliz. E reduzir as angústias. Isso é imprescindível: reduzir as angústias. Quem sabe seja só uma questão de ponto de vista. É preciso estar plenamente presente onde a gente se encontra, e não escapar sempre”.

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